sábado, 6 de novembro de 2010

O Homem que latia.

             No metrô indo para o trabalho, isso há uns bons sete anos atrás, eu estava milagrosamente  sentada, o que era  raro naquele horário da manhã e sabia que em minutos o trem ficaria completamente lotado.O silêncio que existe onde muitas pessoas se encontram e são forçadas a dividir o mesmo espaço já estava instalado.
             Numa situação em que é comum estar todos os dias acotovelando-se nos trens urbanos é comum as pessoas  esforçam-se para não serem notadas. Todos estão com sono, esperando por um longo dia de trabalho. A viagem geralmente longa, causa aquela impressão que não deveríamos estar alí. Todos se vêem mas ninguém se olha. Vez por outra, entra uma daquelas pessoas que acham que ali é o local ideal para fazer amizade, começam a falar sem que você dê nenhum incentivo e não param mais. Talvez a solidão potencialize isso, sei lá.   Na maioria das vezes a única coisa que se quer, é ficar calado. 
              Tudo parecia normal até que apenas uma estação após a minha, entrou um homem que não parecia diferente de ninguém, achei que iria se sentar mas preferiu ficar em pé perto da porta. Era um homem comum como maioria que sai para trabalhar pela manhã e continua anônimo. Provavelmente eu não me lembraria dele. Até que de repente, quem sabe Deus porque motivo, resolveu latir. Sim, latir como um cachorro, desses bem bravos.
             Num primeiro momento tirou o folego de todos e as pessoas que estavam naquele vagão ficaram aturdidas. O que estava acontecendo afinal? A presença da loucura ou de algo que não se explica nos aturde.               
              Naquele dia, todas as convenções haviam sido quebradas por aquele homem que latia. Passado o primeiro impacto, ele que já havia conseguido a atenção de todos agora iniciava sua história:
           Havia chegado nesta "cidade de loucos" e não sabia o que ainda fazia aqui. Nada dera certo para ele. Perdera a mulher que o traíra com um  amigo, perdera o emprego pois seu chefe era um idiota, perdera o carro e agora não sabia para onde ir.
              Perdera também a alegria e eu acredito que sua sanidade já o havia abandonado também.
              Mais uma estação e ele passou a chamar o "cahorro" de Toinho, latia e dizia para o Toinho calar-se. A porta abria e Toinho entrava em ação. Ninguém se atrevia a entrar. Nas distâncias entre uma estação e outra ele retomava a sua história.
              Há algumas estações antes da Sé,  naquele vagão as pessoas já entreolhavam-se com certa cumplicidade e segundos antes do trem de abrir as portas alguém quebrou o gelo e gritou:
- Solta o Toinho!!!
             Quase todos caíram aos risos pois só então nos davamos conta de  que o vagão mantivera-se praticamente vazio por todo o percurso, quem iria passar por uma porta que era guardada por aquele homem que sabia latir tão ferozmente?
             Todos riram... eu ri. Mas um riso sem jeito, um riso nervoso um riso que não merecia ser rido se é que existe essa palavra... Estavamos todos diante da miséria de um ser humano. Perdido. sofrido, sem referências ou direção e ainda assim alguém conseguia usar a situação a seu favor.
             Até hoje me lembro daquele homem e me pergunto será que no fundo ele é quem ria de nós? Será que se divertiu ao ver nossas reações tão diversificadas? Nossas expressões de pânico e de impotência diante daquilo que não compreendemos?
           Ainda hoje quando me lembro penso que gostaria de saber o que foi feito daquele homem e de seu "Toinho".   

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Lembra?? "As pessoas são loucas"...e eu, de certa forma, adoro isso. Quem é "normal" não é lembrado...

    ResponderExcluir